“Cada palestra foi muito apreciada, todas bastante enriquecedoras, foram debatidos temas que causam angústias na classe trabalhadora brasileira, tais como, ‘comum acordo, para instauração de Dissídios Coletivos’, ‘Direito de Negociação no setor Público’, ‘Direito de Greve’, ‘práticas antissindicais’,criminalização dos movimentos sociais entre outros.”
(Grifo nosso).
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio de sua Comissão de Direitos Sindicais, promoveu, nos dias 10 e 11 de setembro corrente, em Belo Horizonte, o seu III Congresso de Direitos Sindicais, com cerca de dois mil participantes.
O referido evento, que já tem lugar garantido na agenda nacional de debates sobre Direitos Sindicais, tal como os anteriores, foi plenamente exitoso; não só pelo número de participantes, mas, principalmente, pela pertinência dos temas de sua pauta e pela excelente qualidade dos debates, que, para muito além do preciso diagnóstico sobre o sombrio e tormentoso quadro de cerrados ataques às organizações sindicais e aos direitos fundamentais sociais, assegurados pela Constituição Federal (CF), e pelos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário; apontou desafios e sugeriu caminhos, para que não sejam transformados, em definitivo, em meras figuras decorativas, como buscam, com sofreguidão, os seus algozes, e que não são poucos.
Merecem destaques os debates que se desenvolveram quanto ao direito de greve, assegurado pelo Art. 9°, da CF, dentre os direitos fundamentais sociais, mas que, há muito, teve o seu conteúdo completamente esvaziado, pela indevida ingerência do Ministério Público do Trabalho (MPT), com os seus sistemáticos dissídios de greve; e da Justiça do Trabalho, com a sua costumeira declaração de abusividade (ilegalidade), os seus interditos proibitórios e a desarrazoada exigência de percentual de trabalhadores que não podem aderir à greve, nas chamadas atividades essenciais, quase nunca inferior a 80%, chegando ao inimaginável percentual de 100%, na greve dos metroviários de São Paulo, no ano de 2014.
Somam-se a isto os certeiros e exaustivos ataques da grande imprensa, falada e escrita, que trata a greve como delito e não como direito, nas felizes palavras de dois insignes palestrantes, Cezar Britto, que já foi Presidente do Conselho Federal da OAB, e Daniela Muradas, Professora da PUC de Minas Gerais; a impune e sistemática prática antissindical dos empresários, a serviço de que quem se posta à grande imprensa; e a falta de solidariedade da sociedade, que, não só passa ao distante das greves, como acaba fazendo coro com os que a combatem, sem se preocupar com a justeza e a relevância de suas reivindicações.
Os ataques às organizações sindicais e aos direitos fundamentais sociais atingiram dimensão descomunal e, para demonstrá-la, o sempre notável e engajado lutador das causas sociais, José Carlos Arouca – Desembargador aposentado do TRT da 2ª Região, cidade de São Paulo -, terminou a sua brilhante palestra com a seguinte metáfora: “Durante a ditadura militar, os sindicatos fugiam do Dops, hoje ,fogem do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho”. Esta incontestável verdade dispensa explicações; falam por si mesmas.
Os outros exuberantes debates que se travaram, com palestras de alto nível, trataram das negociações coletivas; do, até agora, incompreendido vastíssimo alcance da Súmula N. 277, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que assegura a ultratividade das normas coletivas; da estapafúrdia exigência de comum acordo, para a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica; da prevalência do negociado sobre o legislado, antigo e acalentado sonho patronal, para que possam reduzir às escâncaras as garantias constitucionais e legais mínimas, por meio do manto de acordos e convenções coletivas; e do Precedente Normativo (PN) N. 119,do TST, que, além de violar a vontade do Constituinte de 1987 e 1988, o que preconiza o Art. 8°, inciso IV, da CF, e 513, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ao proibirem a cobrança de taxas dos não associados, constitui-se em injusta e descabida punição aos associados, que pagam contribuições por si e por aqueles, que gozam de todas as conquistas alcançadas pelas entidades sindicais, com o financiamento exclusivo daqueles; bem assim, em eficiente instrumento de desincentivo à filiação sindical, que, pelas razões retro, representa punição.
O Ministro do TST, Augusto Cesar Leite de Carvalho, em sua estupenda palestra, além de abordar com propriedade o porquê e o significado da Súmula 277, do TST, e de manifestar a sua ferrenha oposição ao PN sob realce, por seus deletérios efeitos, trouxe ao debate posição singular e inusitada, segundo a qual, o PN 119 poderia até existir, mas com sentido diametralmente oposto ao seu atual conteúdo. Isto é, a taxa assistencial, também conhecida como taxa de solidariedade, deveria ser cobrada apenas dos não associados, e, portanto, proibida aos associados.
O citado Ministro trouxe à discussão a sua justa preocupação com o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), firmado no Recurso Extraordinário (RE) N. 590415, sobre a possibilidade de instrumentos normativos, acordos e convenções coletivas, flexibilizarem direitos fundamentais sociais, o que, até então, e rapor ele vedado, como guardião da CF.
Este entendimento, que ressalva apenas o chamado “padrão civilizatório mínimo”, conforme as palavras do Relator do mencionado RE, Luís Roberto Barroso, que abrange a CTPS assinada, os salários, o 13º salário, as férias e o FGTS, e nada mais.
Com isto, abrem-se largos para que volte à tona e com força máxima a proposta patronal de prevalência do negociado sobre o legislado; o que, aliás, foi enfaticamente defendido por Delfin Netto, notório e velho algoz dos direitos trabalhistas, em entrevista publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, edição do dia 13 de setembro em curso.
O Procurador do Ministério Público do Trabalho – seu Procurador Chefe, de 2011 a 2015 -, Luís Camargo, abordou tema que nos aflige há muito, mas que, infelizmente, passa ao largo da quase totalidade dos dirigentes sindicais, que diz respeito aos cotidianos milhares de acordos judiciais vis, celebrados entre trabalhadores premidos pelas constantes agruras financeiras e inescrupulosos patrões, com as bênçãos e a chancela da Justiça do Trabalho.
Como é consabido, o desrespeito aos direitos fundamentais sociais, por esta razão e pelo fato de a maioria dos lesados não recorrerem à Justiça do Trabalho, representa um seguro e lucrativo negócio, que,a cada dia, ganha mais adeptos.
Por tudo o que aqui se disse e pelos desafios que o epigrafado evento apresentou à sociedade brasileira, em especial ao movimento sindical, registramos a nossa satisfação pelo privilégio de havermos dele participado, fazendo-o com os cumprimentos e os louvores aos seus organizadores; rogando votos de que os citados relevantes debates que nele foram travados não fiquem ao léu, mas que, ao contrário, ganhem as ruas, e, sobretudo, os corações e as mentes dos dirigentes sindicais, dos trabalhadores que representam dos advogados, dos juízes, dos procuradores do trabalho, e todos quantos ainda não desistirem da construção do Estado Democrático de Direito, implantado pela CF de 1988.
*Consultor Jurídico da ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)